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Entrou em vigor no último dia 20 de junho de 2023 a Lei n. 14.599, publicada nesta data no Diário Oficial da União.
A nova lei trouxe alterações ao Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97), que serão abordadas a seguir, no que se refere às normas penais do CTB.
Artigos que tiveram sua redação modificada (negritos não constantes do texto original):
Art. 301. Ao condutor de veículo, nos casos de sinistros de trânsito que resultem em vítima, não se imporá a prisão em flagrante nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela. (Redação dada pela Lei nº 14.599, de 2023);
Art. 302, § 1º, III: deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do sinistro; (Redação dada pela Lei nº 14.599, de 2023)
Art. 304. Deixar o condutor do veículo, na ocasião do sinistro, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública: (Redação dada pela Lei nº 14.599, de 2023)
Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do sinistro, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: (Redação dada pela Lei nº 14.599, de 2023)
Art. 312. Inovar artificiosamente, em caso de sinistro automobilístico com vítima, na pendência do respectivo procedimento policial preparatório, inquérito policial ou processo penal, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito ou o juiz: (Redação dada pela Lei nº 14.599, de 2023)
A modificação havida nos tipos penais, em nossa compreensão, não acarreta reflexos em sua aplicação prática.
De início, não se pode falar em abolitio criminis em razão do princípio da continuidade típico-normativa.
Ou seja, a circunstância de se modificar a terminologia acidente de trânsito para sinistro, sinistro de trânsito ou sinistro automobilístico em nada interfere na situação daqueles que incorreram nos tipos penais até o dia 19 de junho de 2023, antes da entrada em vigor das alterações. As condutas relacionadas aos acidentes de trânsito eram penalmente típicas e continuaram a ser. As investigações criminais em curso e as ações penais por fatos anteriores à nova lei prosseguirão normalmente.
Não houve modificação, também, no que diz respeito à incidência das causas de aumento de pena correlatas.
O preceito secundário das normas penais permaneceu inalterado, ou seja, não houve aumento e nem redução das penas previstas nos tipos penais modificados.
O aumento das penas implicaria vedação de sua aplicação retroativa para alcançar fatos anteriores à vigência da norma e a redução das penas acarretaria, obrigatoriamente, sua retroatividade, para alcançar fatos anteriores (CF, art. 5º, XL), por força do princípio constitucional da retroatividade benéfica da lei penal. Mas nenhuma das duas situações se verifica.
O conceito de sinistro de trânsito
Houve a inclusão no ANEXO I, dos conceitos e definições, da definição de sinistro de trânsito:
Evento que resulta em dano ao veículo ou à sua carga e/ou em lesões a pessoas ou animais e que pode trazer dano material ou prejuízo ao trânsito, à via ou ao meio ambiente, em que pelo menos uma das partes está em movimento nas vias terrestres ou em áreas abertas ao público.
O conceito de sinistro de trânsito abrange eventos com: a) danos ao veículo: b) à sua carga; c) lesões a pessoas; d) animais; e) dano material ou prejuízo ao trânsito; f) à via; g) ao meio ambiente.
Há um elemento espacial ainda, pois o conceito de sinistro de trânsito exige que pelo menos uma das partes envolvidas no evento esteja em movimento nas vias terrestres ou em áreas abertas ao público. Até mesmo estacionamentos, recintos ou espaços privados serão alcançados pelo conceito, desde que sejam abertos ao público.
Ou seja, o conceito é bastante abrangente e os crimes de perigo abstrato e concreto também estão compreendidos na ideia de sinistro de trânsito: prejuízo ao trânsito, à via ou ao meio ambiente (rebaixamento da segurança viária, interrupção do fluxo de trânsito, fumaça de incêndio causado pelo sinistro, incêndio que atinja vegetação, derramamento de combustível, produto químico ou substância corrosiva na via, em curso de água etc).
Quando a norma penal nos remete a um conceito ou definição, isso traz segurança jurídica aos destinatários, pois a conceituação de sinistro de trânsito nos casos concretos não ficará à mercê do entendimento do intérprete da norma.
Principalmente em se tratando de normas penais incriminadoras, que devem receber sempre interpretação restritiva.
Apesar do novo conceito, o alcance do art. 304, do CTB, crime de omissão de socorro, não foi alterado, pois embora os animais também sejam protegidos pelo Direito Penal, a vítima referida no tipo penal é sempre a pessoa natural, o ser humano nascido com vida. Na pessoa natural, reside a objetividade jurídica protegida pela norma penal.
O novo conceito de sinistro de trânsito constante do ANEXO I do CTB não pode ser utilizado para ampliar o alcance da norma penal.
A vítima mencionada na causa de aumento de pena prevista em caso de omissão de socorro, no tipo penal do homicídio culposo de trânsito, obviamente será somente o ser humano (CTB, art. 302, § 1º, III).
Assim, por exemplo, se o condutor do veículo automotor atropelar um animal e se evadir do local, sem prestar socorro ou acionar a autoridade pública, a conduta se adequa ao crime de evasão do local para fugir à responsabilidade civil (CTB, art. 305).
Se o atropelamento do animal, porém, foi pretendido pelo agente, estaremos diante do crime de maus-tratos contra animal (Lei n. 9.605/98), além, é claro – se o sujeito se evade -, da figura do art. 305, do CTB, como também ocorre quando o condutor causa somente danos materiais e se evade do local do sinistro, para se safar da responsabilidade civil.
A mesma situação teremos no art. 312, do CTB, no crime de fraude probatória de trânsito, ou seja, a vítima referida pelo tipo penal será sempre o ser humano nascido com vida, a pessoa natural.
Por esses motivos, numa primeira análise, nos parece que o novo conceito de sinistro de trânsito não acarreta mudanças ou reflexos práticos na aplicação cotidiana das normas penais do CTB.
Fonte: Meu Site Jurídico