É possível a penhora de valores que estão na conta corrente da esposa do devedor mesmo que ela não tenha sido parte na fase de conhecimento? O regime de bens interfere nessa análise?


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Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação de cobrança contra Pedro.

A sentença foi julgada condenando Pedro a pagar R$ 100 mil.

Houve trânsito em julgado.

João iniciou o cumprimento de sentença.

Não foram localizados bens penhoráveis em nome de Pedro.

João sabia que Regina, esposa de Pedro, apresentava alto padrão de vida.

Diante disso, o credor pediu ao juiz que determinasse a penhora on-line de 50% dos valores depositados nas contas bancárias de Regina. João argumentou e comprovou que Pedro e Regina são casados sob o regime da comunhão universal de bens. Logo, essa penhora seria possível, resguardando-se 50% dos valores, que seriam a meação de Regina.

O juiz deferiu o pedido. Foram encontrados R$ 80 mil na conta corrente de Regina. O magistrado fez a penhora de R$ 40 mil para que eles fossem utilizados para o pagamento da dívida.

Regina recorreu alegando que ela não foi parte no processo, razão pela qual não poderia ter seus bens atingidos pela penhora.

A discussão chegou até o STJ. O que o Tribunal decidiu? Foi correta a decisão do magistrado?

SIM.

É possível a penhora de valores em conta corrente da esposa do devedor, se eles forem casados sob o regime da comunhão universal de bens. Vale ressaltar, contudo, que se deve resguardar a meação da esposa porque esse valor é apenas dela.

Vamos entender melhor.

Regime da comunhão universal

O art. 1.667 do Código Civil, ao tratar sobre o regime da comunhão universal de bens, prevê:

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

Assim, no regime da comunhão universal, todos os bens que os cônjuges adquirirem antes e durante o matrimônio, bem como as respectivas dívidas, pertencerão a ambos, com exceção do disposto nos incisos I a V do art. 1.668 do Código Civil:

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

(…)

V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Segundo a lição de Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Neto, “através da comunhão universal forma-se uma massa patrimonial única para o casal, estabelecendo uma unicidade de bens, atingindo créditos e débitos e comunicando os bens pretéritos e futuros. Cessa a individualidade do patrimônio de cada um, formando-se uma universalidade patrimonial entre os consortes, agregando todos os bens, os créditos e as dívidas de cada um. É uma verdadeira fusão de acervos patrimoniais, constituindo um condomínio. Cada participante terá direito à meação sobre todos os bens componentes dessa universalidade formada, independentemente de terem sido adquiridos antes ou depois das núpcias, a título oneroso ou gratuito” (Manual de Direito Civil – Volume único. 5ª ed – Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1236-1237).

Dessa maneira, formando-se um único patrimônio entre os consortes, que engloba todos os créditos e débitos de cada um individualmente, com exceção das hipóteses do art. 1.668 do CC, revela-se perfeitamente possível a constrição judicial de bens do cônjuge do devedor, casados sob o regime da comunhão universal de bens, ainda que não tenha sido parte no processo, resguardada, obviamente, a sua meação.

Nesse caso, não estaria havendo a responsabilização de um terceiro (Regina) por uma dívida do executado (Pedro)?

NÃO. Não há que se falar em responsabilização de terceiro (cônjuge) pela dívida do executado, pois a penhora recairá sobre bens de propriedade do próprio devedor, decorrentes de sua meação que lhe cabe nos bens em nome de sua esposa, em virtude do regime adotado.

Vamos imaginar que os R$ 40 mil penhorados da conta de Regina fossem fruto de seu salário. Neste caso, seria um valor exclusivo dela e que não se comunicaria com Pedro. Regina poderia demonstrar isso e afastar a penhora?

SIM. Caso a medida constritiva recaia sobre bem de propriedade exclusiva do cônjuge do devedor, será possível impugnar essa constrição, a fim de se afastar a presunção de comunicabilidade. Neste caso, o instrumento processual adequado será pela via dos embargos de terceiro, a teor do que dispõe o art. 674, § 2º, I, do Código de Processo Civil, cabendo à esposa o ônus de comprovar isso:

Art. 674 Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.

(…)

  • 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos:

I – o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843;

(…)

Nesse mesmo sentido:

(…) 2. A medida constritiva do patrimônio pode recair sobre os bens comuns do casal, no regime de comunhão universal de bens, respeitando-se a meação da cônjuge do devedor, pois, neste regime, a regra é a comunicabilidade de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, nos termos termos do artigo 1.667 do Código Civil, com as exceções expressas no artigos 1.668.

  1. Caso a medida constritiva recaia sobre bem de propriedade exclusiva do cônjuge do devedor, existe meio processual adequado para que seja provada a exclusividade da propriedade, qual seja, os embargos de terceiro (artigo 674, §2, I, do CPC), no qual a presunção de comunicabilidade poderá ser afastada pela cônjuge do devedor com a prova de que os bens bloqueados são de sua propriedade exclusiva.
  2. Na hipótese de a constrição recair sobre bem comum do casal, é imprescíndivel que seja respeitada a meação do cônjuge do devedor, inclusive na alienação de coisa indivisível, nos termos do artigo 843 do CPC. (…)
  3. Em outras palavras, o que se cuida na hipótese é da possibilidade de penhora de bens de propriedade do executado, como resultado da meação a que possui direito pelo regime da comunhão universal de bens, mas que estão em nome de sua esposa. Assim, não há falar em responsabilização de patrimônio de terceiro pela dívida do executado, uma vez que deverá ser obrigatoriamente respeitada a meação pertencente à cônjuge do devedor, inclusive na alienação de coisa indivisível.
  4. Deste modo, restringindo-se a pesquisa de bens, e a consequente indisponibilidade e penhora em caso positivo, a bens de propriedade do devedor – sua meação que lhe cabe nos bens em nome de sua cônjuge -, não é necessário perquirir se a dívida foi contraída ou trouxe proveito à família. (…)

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1.945.541/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 28/3/2022.

Por essas razões, no caso concreto, era permitida a penhora de bens da esposa do executado, em razão da comunicabilidade de todos os bens presentes e futuros do casal, decorrente do regime da comunhão universal, sendo ônus da mulher comprovar, na via dos embargos de terceiro, a incomunicabilidade de determinado bem e/ou defender a sua respectiva meação.

Em suma:

É possível a constrição judicial de bens de cônjuge de devedor, casados sob o regime da comunhão universal de bens, ainda que não tenha sido parte no processo, resguardada a sua meação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.830.735-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/6/2023 (Info 780).

Fonte: Dizer o Direito

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