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O Juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Águas Claras reconheceu a legitimidade de homem transgênero, vítima de violência doméstica, ser beneficiado por medidas protetivas de urgência, previstas na Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha.
No caso, foram expedidas medidas de afastamento do lar em que a vítima e o réu residiam e proibição de frequentar a mesma igreja, nos dias e horários em que o autor frequenta. Por sua vez, o réu afirma que, por documentos, a vítima se identifica como pertencente ao gênero masculino.
Ao decidir, o magistrado esclareceu que o Brasil se comprometeu com o combate a todas as formas de discriminação de gênero ao ratificar acordos e convenções internacionais. Por sua vez, a Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, no âmbito das relações domésticas e familiares. “A partir da interpretação literal das normas citadas, pode-se concluir que a legislação pátria somente protege as mulheres cisgêneras contra a violência praticada no âmbito familiar e Doméstico. No entanto, os Tribunais brasileiros vêm entendendo que a Lei 11.340/06 pode e deve ser aplicada a mulheres transgêneras, mesmo que não tenha havido alteração em seus registros civis”, observou.
O julgador destacou que, em decisões recentes, a mulher transgênera tem sido abarcada na proteção da Lei Maria da Penha, entre outros motivos, por sua dupla vulnerabilidade e pelo preconceito contra corpos estranhos na visão heteronormativa, espécies de violências de gênero também sofridas por homens transgêneros. “O patriarcado permeia toda a sociedade brasileira e a violência de gênero é mecanismo de reforço da ideia de dominância do homem cisgênero”, explicou.
De acordo com o Juiz, as experiências vividas por homens transgêneros não são muito diferentes daquelas vividas por mulheres transgêneras, estando os dois grupos de pessoas sujeitas à dupla vulnerabilidade e às violências de gênero. “Um homem transgênero (uma pessoa que foi designada como do sexo feminino no nascimento, mas que se identifica como do gênero masculino), pode ser lido e tratado socialmente e no âmbito familiar e doméstico como mulher e, por isso, sofre violências baseadas em gênero feminino – mesmo que sua performance de gênero seja predominantemente masculina. Da mesma forma, uma pessoa que foi designada como do sexo feminino no nascimento, mas que se identifica como não-binária, pode ser lida socialmente e no âmbito familiar e doméstico como mulher e, por isso, também pode sofrer violências baseadas em gênero feminino”.
Diante disso, o magistrado concluiu que a utilização restrita do critério da autodeclaração como mulher para aplicabilidade da lei se revela desproporcional, porque gera exclusão entre pessoas que sofrem as diversas formas de violência de gênero (feminino) no âmbito doméstico e familiar. “O critério utilizado, embora importante, é insuficiente para atingir o objetivo constitucional de coibir e prevenir a violência de gênero no ambiente doméstico. Isso porque o critério restrito de autodeclaração (mulher) exclui pessoas que sofrem das mesmas violências e opressões baseadas no tratamento que a sociedade patriarcal reserva a pessoas designadas como do sexo feminino no nascimento e cujas identidades transgridem a determinação social de gênero, de forma que a estrutura social patriarcal permanece intacta”, pondera.
O julgador avalia que “resta a essas pessoas a revitimização de se autodeclararem mulheres para acessar direitos e proteções, ou situação de ostracismo legislativo e jurídico, em que não conseguem acessar os mecanismos legais de proteção, muito embora no dia a dia sejam vítimas de violências baseadas em gênero”. Logo, na análise do magistrado, a interpretação que atribui maior eficácia à norma constitucional ao se aplicar a Lei 11.340/06 é aquela que toma como base a presença ou não da violência doméstica e familiar baseada no gênero feminino, seja por autodeclaração de gênero (mulher) da vítima, ou por constatação de que, por ter sido designada como do sexo feminino no nascimento, a pessoa está sujeita à violência de gênero socialmente praticada contra pessoas do gênero feminino.
Cabe recurso da decisão.
Fonte: Megajurídico