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BREVE EXPLICAÇÃO SOBRE TUTELA PROVISÓRIA
Se estiver sem tempo, pode ir diretamente para a explicação do julgado.
Tutela provisória
A tutela antecipada no CPC/2015 é tratada no Livro V (arts. 294 a 311), que é denominado de “Da Tutela Provisória”.
Tutela provisória é aquela concedida antes da tutela definitiva, em caráter provisório, com base em uma cognição sumária.
A tutela provisória será sempre substituída por uma tutela definitiva, que a confirmará, revogará ou modificará.
Ex: João ingressa com ação pedindo o fornecimento de determinado medicamento. O juiz profere decisão interlocutória determinando que o Estado conceda o remédio. Foi concedida, portanto, a tutela provisória com base em cognição sumária. Ao final, o juiz profere sentença confirmando que a pessoa tem o direito de receber o medicamento do Poder Público. Logo, nessa sentença, foi concedida a tutela definitiva, que confirmou a tutela provisória.
Espécies de tutela provisória
A TUTELA PROVISÓRIA é o gênero do qual decorrem duas espécies:
1) Tutela provisória de urgência;
2) Tutela provisória de evidência.
Veja o que diz o CPC/2015:
Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
Classificação das tutelas provisórias de URGÊNCIA
O CPC/2015 prevê duas classificações das tutelas provisórias de urgência:
1) Cautelar e antecipada;
2) Antecedente e incidental.
Art. 294 (…)
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
Quanto à satisfatividade
Em uma primeira classificação, a tutela provisória de URGÊNCIA divide-se em:
1.1) ANTECIPADA (satisfativa): o órgão julgador antecipa aquele direito ou bem da vida que o autor espera conseguir ao final do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que o autor precisa dos valores para sobreviver, determina que o réu entregue a quantia pleiteada enquanto se aguarda o desfecho do processo.
1.2) CAUTELAR: o órgão julgador confere uma medida para assegurar aquele direito ou bem da vida que o requerente espera obter ao fim do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que há receio de que o réu se desfaça de seu patrimônio, determina o arresto dos bens do requerido.
Veja a explicação de Marcus Vinicius Rios Gonçalves:
(…) A satisfatividade é o critério mais útil para distinguir a tutela antecipada da cautelar. As duas são provisórias e podem ter requisitos muito assemelhados, relacionados à urgência ou evidência. Mas somente a primeira tem natureza satisfativa, permitindo ao juiz que já defira os efeitos que, sem ela, só poderia conceder no final. Na cautelar, o juiz não defere, ainda, os efeitos pedidos, mas apenas determina uma medida protetiva assecurativa, que preserva o direito do autor, em risco pela demora no processo.
Tanto a tutela antecipada quanto a cautelar podem ser úteis para afastar uma situação de perigo de prejuízo irreparável ou de difícil reparação. Mas diferem quanto à maneira pela qual alcançam esse resultado: enquanto a primeira afasta o perigo atendendo ao que foi postulado, a segunda o afasta tomando alguma providência de proteção.
Imagine-se, por exemplo, que o autor corra um grave risco de não receber determinado valor. A tutela satisfativa lhe concederá a possibilidade de, desde logo, promover a execução do valor, em caráter provisório, alcançando-se os efeitos almejados, que normalmente só seriam obtidos com a sentença condenatória.
Já por meio de tutela cautelar, o autor pode arrestar bens do devedor, preservando-os em mãos de um depositário para, quando obtiver sentença condenatória e não houver recurso com efeito suspensivo, poder executar a quantia que lhe é devida. A tutela cautelar não antecipa os efeitos da sentença, mas determina uma providência que protege o provimento, cujos efeitos serão alcançados ao final.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 721-722).
Quanto ao momento de sua concessão
Além disso, a tutela provisória de URGÊNCIA também pode ser:
2.1) INCIDENTAL: é aquela que é deferida no curso do processo. A tutela incidental pode ser cautelar ou antecipada.
2.2) ANTECEDENTE: é aquela “formulada antes que o pedido principal tenha sido apresentado ou, ao menos, antes que ele tenha sido apresentado com a argumentação completa.” (ob. cit., p. 727). A tutela antecedente também pode ser cautelar ou antecipada.
O procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente é regulado pelos arts. 303 e 304.
O procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente é regido pelos arts. 305 a 310.
EXPLICAÇÃO DO JULGADO
Imagine a seguinte situação hipotética:
A empresa Alfa Ltda celebrou contrato com a empresa Beta Ltda.
A empresa Beta emitiu notificação afirmando que a Alfa estaria lhe devendo R$ 100 mil e que, se não fosse pago, faria o protesto dessa dívida.
A Alfa afirmou que não reconhecia a dívida e ingressou em juízo com pedido de tutela cautelar em caráter antecedente, objetivando evitar que o protesto fosse lavrado (sustação do protesto).
Na ocasião, a autora informou que iria ingressar com a ação principal no prazo de 30 dias, como preceitua o art. 308 do CPC:
Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.
O pedido de tutela antecedente foi proposto no dia 30/06/2020 perante a 1ª Vara da Comarca.
No mesmo dia, o juiz deferiu o pedido de tutela de urgência e determinou a sustação dos efeitos do protesto do título mencionado na inicial.
Essa decisão foi imediatamente cumprida.
A disponibilização dessa decisão no Diário Oficial ocorreu em 02/07/2020.
Em 12/08/2020, a parte autora requereu a conversão da medida cautelar em ação declaratória de inexigibilidade de débito.
Na petição, apontou diversos fundamentos pelos quais entendia que a dívida representada pelos títulos apontados para protesto não subsistia.
Contestação alegando que a autora perdeu o prazo do art. 308 porque este deveria ser contado em dias corridos
Em contestação, a requerida Beta alegou a decadência do pedido principal. Isso porque o prazo do art. 308 do CPC seria material e, portanto, deveria ser contado em dias corridos (e não dias úteis).
A requerida afirmou que o art. 219 do CPC (contagem dos prazos em dias úteis) tem aplicação restrita aos prazos processuais:
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Por essa razão, os prazos decadenciais, de natureza material, como o prazo para a propositura de ação principal em sede de pedido acautelatório, deveria ser contato em dias corridos, sem qualquer previsão de suspensão ou interrupção.
No caso concreto, a decisão concedendo a tutela cautelar foi publicada no Diário Oficial em 02/07/2020.
Sendo assim, o prazo para apresentação da ação principal teria findado em 03/08/2020. No entanto, o pedido principal foi apresentado somente em 12/08/2020, ou seja, após o prazo legal.
Requereu, portanto, a cessação dos efeitos da tutela, bem como a extinção dos pedidos, formulados pela parte autora sem resolução de mérito.
O juiz rejeitou a alegação de decadência.
De acordo com a decisão, o prazo estabelecido no art. 308, do CPC, teria natureza processual, de modo que a contagem deveria ser feita em dias úteis, na forma do art. 219 do CPC.
Agiu corretamente o magistrado?
SIM.
O CPC/2015, ao estabelecer que o pedido principal deverá ser formulado nos mesmos autos em que requerida a tutela cautelar antecedente (art. 308), inovou no ordenamento jurídico, extinguindo a autonomia do processo cautelar (que existia no CPC/1973).
Assim, o prazo de 30 dias não é mais destinado ao ajuizamento de uma nova ação para buscar a tutela do direito assegurado pela medida cautelar. É um prazo para que seja formulado pedido de tutela definitiva no processo já existente. Desse modo, a dedução do pedido principal é um ato processual, que produz efeitos no processo em curso.
Consequentemente, o lapso temporal previsto no art. 308 do CPC/2015 têm natureza processual, devendo ser contado em dias úteis (art. 219 do CPC/2015). Nesse sentido, é a posição de Fernando Gajardoni:
“Achamos mais adequado classificá-lo como mero prazo preclusivo (interno ao processo), considerando que a formulação do pedido se faz na mesma relação jurídica processual já inaugurada com o pleito de tutela cautelar antecedente (tratando-se, pois, de prazo para a prática de ato processual). (…). Aplica-se para a contagem do trintídio o art. 224 do CPC, excluindo-se o dia do começo (efetivação) e incluindo-se o dia do final. E aplica-se, também, o disposto no art. 219 do CPC, vez que se trata de prazo para a prática de ato processual (formulação do pedido principal), sendo, portanto, contado em dias úteis. (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pp. 439-440)
Esse também é o entendimento de Carreira Alvim:
“A concessão e efetivação da tutela cautelar, em caráter antecedente, impõe ao autor o ônus processual de formular o requerimento do pedido principal no prazo de trinta dias, sendo esse prazo preclusivo, não permitindo dilatação, a não ser em virtude de justa causa (art. 223, caput) (…). Na contagem dos prazos em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis (art. 219, caput), com a exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento (art. 224, caput), salvo se esses dias forem não úteis, caso em que serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, bem assim se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica (art. 224, § 1º). Essas normas devem ser observadas também no procedimento urgente cautelar. (Comentários ao novo Código de Processo Civil: Lei 13.105/15. Vol. 4. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2017)
Na mesma linha, citam-se: THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 806; STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 308.
Em julgamento recente, a 4ª Turma do STJ examinou a presente questão, oportunidade em que decidiu pela natureza processual e não decadencial do prazo de 30 dias instituído no art. 308 do CPC/2015:
O prazo de 30 (trinta) dias para apresentação do pedido principal, nos mesmos autos da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, previsto no art. 308 do CPC/2015, possui natureza processual, portanto deve ser contabilizado em dias úteis (art. 219 do CPC/2015).
STJ. 4ª Turma. REsp 1.763.736/RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 21/6/2022.
Vale ressaltar, ainda, que, não atendido o prazo legal, a medida cautelar concedida perderá a sua eficácia (art. 309, I, do CPC/2015) e o procedimento de tutela cautelar antecedente será extinto sem exame do mérito. Em verdade, “a extinção opera ipso jure, cabendo ao juiz simplesmente declará-la, pondo fim ao processo sem resolução do mérito” (THEODORO JR., Humberto. Op. Cit. p. 806). “Inexiste sentido para a preservação do curso do pedido de cautelar antecedente após o trintídio legal, mormente porque a parte poderá, oportunamente, apresentar o pedido principal em outra demanda” (GAJARDONI, Fernando. op. cit, pp. 439-440).
Desse modo, efetivada integralmente a tutela cautelar requerida em caráter antecedente, incumbe ao autor formular o pedido principal dentro de 30 dias, o qual é contado na forma do art. 219 do CPC/2015, sob pena de perda da eficácia da tutela provisória e de extinção do procedimento sem resolução do mérito.
Em suma:
Não atendido o prazo legal de 30 dias para formulação do pedido principal em tutela cautelar requerida em caráter antecedente, a medida concedida perderá a sua eficácia e o procedimento de tutela antecedente será extinto sem exame do mérito.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.066.868-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/6/2023 (Info 780).
Fonte: Dizer o Direito